Otaku no Video é um documento histórico


De vez em quando, surgem animes cujo foco acaba sendo a audiência, ou seja, retratar(ou parodiar) como os fãs de animes se comportam. Ore no Imouto ga Konnani Kawaii Wake ga Nai é o mais recente título deste tipo: embora o contraste entre as opiniões de Kirino e Kuroneko não tenham sido o ponto principal da série, é com certeza uma das partes mais interessantes.

Otaku no Video é importante porque foi o primeiro a querer mostrar como se comportavam os fãs de animes, retratando assim provavelmente a primeira geração de otakus.


Otaku no Video é filho de Toshio Okada, considerado o maior especialista acadêmico no assunto otaku, tendo atuado como palestrante em várias universidades e escrito livros sobre o assunto. Okada também foi um dos fundadores(e o primeiro presidente) do estúdio Gainax, que sempre teve uma relação bem próxima com a comunidade otaku, afinal o estúdio era originalmente um grupo de aficionados que acabou “evoluindo” para uma empresa profissional. Quem quer ver mais sobre isso deveria(eu digo, realmente deveria) ler meu post sobre Daicon IV.

Otaku no Video conta a história de Kubo, um sujeito normal, sem grandes vícios ou defeitos, até reencontrar um amigo de escola, Tanaka, o que faz com que ele acabe se envolvendo no mundo sombrio dos fãs de animes, indo a convenções, fazendo cosplay, o de sempre. Logo, ele monta uma emprea para vender garage kits, a empresa vira a maior do mundo, etc. etc. É interessante notar que como otaku a vida dele é mais bem sucedida do que seria se ele tivesse seguido uma vida normal. Outra coisa interessante é que, mesmo Kubo saindo da faculdade, perdendo a namorada e o resto da vida social, as coisas quase sempre são apresentadas de modo leve e sem grandes dramatizações, mesmo considerando que é um anime de comédia.

Minha teoria pessoal é que fizeram o anime de maneira leve justamente para os outros segmentos parecerem ainda mais depressivos.


“Retrato de um Otaku” é uma seção apresentando história de pessoas reais contando sobre seus vícios. Se as histórias contadas são reais, é outro assunto. Pode ser que sim, pode ser que não, mas elas todas são verídicas e, considerando que otakus colocam os hobbies acima da vida, é difícil duvidar que alguma delas seja enganação. Existem vários tipos de histórias, do sujeito que se divertia com os amigos do clube de anime da faculdade criando doujins até o cara que coleciona dezenas e dezenas de fitas cassete de animes, tokusatsus, comerciais, etc. Lembrando que, no Japão, otaku não é só alguém que curte anime. Essa é a definição do termo no Ocidente. No Japão, otaku define alguém que vai até as últimas consequências pelo seu hobby, que o coloca acima da própria vida.

Assim sendo, otaku é um termo amplo que define tanto aquele viciado em animes, quanto aquele que curte designs de mecha, ou aquele que prefere armas e assuntos militares, ou o que prefere lidar com eletrônicos e computadores(lembrando que estamos falando da década de 80, quando esse tipo de coisa ainda era novidade). O fato de ir fundo(talvez fundo demais) naquilo que deveria ser só entretenimento, e fazer a sua vida girar em torno desse entretenimento, algo que deveria ser só uma diversão, é o que torna uma pessoa otaku.

Existe uma referência oculta aqui.

Em comum a todas as histórias contadas na seção “Retrato de um Otaku”, é o fato de que praticamente nenhum deles tem uma vida realmente digna. A maioria trabalha em empregos de segunda categoria(excluindo-se talvez apenas o professor de inglês), ou é desempregada. É o preço que se paga por se apegar demais a um modo de diversão. É a discrepância entre o anime e “Retrato”: no anime, os personagens passam por dificuldades, mas onde eles investem, são bem sucedidos, enquanto na vida real…

Mas algo ser um documento histórico não é só por ser um registro do passado, mas por servir de comparação com o presente. OnV foi feito em 91, e, se naquela época a graça do anime era que os espectadores se sentissem na pele do que era representado, hoje em dia a graça é comparar o estado atual da cultura otaku com seus primórdios, do mesmo jeito que daqui a 10 ou 20 anos olharemos para Genshiken ou Ore no Imouto não apenas como formas de entretenimento, mas como um registro do que um dia foi a cultura otaku. Por que, ironia das ironias, é a nossa sina: anime, nossa benção e maldição, é também nosso registro histórico, a garantia de que nossa identidade não seja esquecida.

Afinal, qual a outra opção? Aparecer no programa da Fátima Bernardes? Pfff.


Eu não gosto de ficar muito pessoal aqui, mesmo o blog sendo meu, mas é inevitável: Otaku no Video foi o meu primeiro anime, que eu assisti no apartamento de um amigo lá nas férias de 2005. Pensando agora, é meio sinistro, não é? Eu sinto como se anime estivesse me dizendo “é nisso que você tá se metendo, tem certeza que quer continuar?” Eu acabei continuando. Naquela época nós tínhamos nosso próprio anime clube, comprávamos mangá, íamos a convenções, e hoje em dia só temos a memória do que passou. Essa é a melhor definição de Otaku no Video, tanto faz o que o anime queira dizer, o que realmente importa são as memórias do primórdios dos otakus, que essa obra se recusará a deixar morrer.

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3 respostas para Otaku no Video é um documento histórico

  1. Daicon disse:

    Excelente post, Otaku no Video deve ser assistido e recomendado também aos demais desavisados, retrata não apenas uma época, mas um simbolo de toda uma geração, apesar dos devaneios e das viagens de sua segunda parte, é uma das produções mais honestas no que diz respeito a retratar este nicho, o que mais chega próximo a isso seria Genshiken mesmo. No mais, parabéns novamente pelo post e também como leitura, recomendo “Otaku, Os Filhos do Virtual” de Étienne Barral, ótimo para quem gosta de estudar comportamento, isto é, relacionado a cultura Otaku (japonesa é claro) .

  2. jozias disse:

    Querendo acompanhar um anime novo mas ainda esta indeciso na sua escolha ? então veja http://www.youtube.com/channel/UCJsJ_C26A-q00UcIflXE-rQ

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